Em 2006, Numo Rama, premiado fotógrafo paraibano radicado no Rio Grande do Norte, conseguiu uma autorização especial para desenvolver um trabalho na antiga penitenciária João Chaves, em Natal, a maior do estado àquela época, conhecida como “Caldeirão do Diabo”. Durante cerca de três meses, frequentou regularmente o local, compartilhando o cotidiano dos presos: entrava nas galerias pela manhã e só saía à tarde. Buscava, então, responder às perguntas que tinham motivado seu projeto: Como o ser humano pode se reinventar em um ambiente enclausurado? Que códigos sociais são criados por cidadãos excluídos da sociedade? Que tipo de hierarquia se estabelece entre eles?
Dessa vivência resultaram as imagens da presente exposição, a maioria revelada aqui pela primeira vez. Graças a elas, Numo Rama nos introduz no universo carcerário, com seus personagens e cenários particulares, mas para nos mostrar algo que vai além dos muros do presídio. Nelas, abandona o registro meramente documental e explora diferentes recursos visuais, muitas vezes contrariando regras “sagradas” da fotografia: em vez do foco, o desfoque; em vez da nuance, o contraste; em vez do concentrado (como se espera de uma prisão), o panorâmico. Apresenta, assim, um mundo muito mais simbólico que palpável, estados subjetivos mais que realidades permanentes, revelando uma humanidade que insiste em ser, mesmo quando parece não mais viver, como sugere o título “Póstumos”.
Numo Rama lembra, no entanto, que a privação de liberdade desses seres geralmente não começa com a entrada no presídio, mas bem antes. Na verdade, todo cárcere é apenas a ponta de um grande iceberg, o elemento final de uma série de circunstâncias que, entrelaçando-se e superpondo-se, vão envolvendo os indivíduos em uma teia da qual dificilmente escapam. É isso que o fotógrafo traduz na instalação especialmente criada para essa exposição, sugerindo, a partir de arranjos de ossos de animais (vestígios, por excelência, de uma vida que já existiu), os elementos políticos, econômicos, sociais e culturais que definem o destino de muitos excluídos. Juntemo-nos a ele nessa verdadeira “arqueologia do descaso”.
Everardo Ramos - Diretor do Museu Câmara Cascudo/UFRN
Criação, curadoria e cenografia: Numo Rama.
Design: Helena Rugai.
Produção: Museu Câmara Cascudo.
Tribuna do Norte
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